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Zine de Pão

Caderno de notas sobre farinhas, leveduras e temperaturas

Zine de Pão

Caderno de notas sobre farinhas, leveduras e temperaturas

28.Nov.10

Pão Preguiçoso

Há cerca de quatro anos atrás, o excelso Mark Bittman escreveu na sua coluna do New York Times sobre uma receita de um padeiro qualquer de uma tal de Sulivan Street Bakery. A partir daí nada foi o mesmo. De súbito, uns milhares de americanos começaram a fazer pão em casa e contagiaram passados uns meses toda a Europa. Essa mesma receita é a que partilho aqui hoje e eu ao invés de "No-Knead Bread", dou-lhe o nome de "Pão Preguiçoso" por dois motivos. O primeiro é porque é uma receita para pessoas preguiçosas (vá, pessoas com pouco tempo para fazer pão) e o segundo é porque este é um pão que têm com um período de fermentação de 12 horas ou mais (como alguém preguiçoso que fica 12 horas ou mais na cama, tipo eu.).

O "Pão preguiçoso" é simplesmente um pão cuja massa não precisa de ser amassada, algo que afugenta muita gente da ideia de fazer pão em casa. Numa receita tradicional, amassamos a massa para trabalharmos o glúten no pão e formarmos uma rede de proteínas que vai ajudar o pão a crescer e a aprisionar preciosas bolhas de dióxido de carbono. Pensem na farinha como milhões de proteínas desalinhadas. O trabalho mecânico de amassar ajuda ao alinhamento destas proteínas. Se tivermos uma primeira fermentação bastante longa, estas proteínas alinham-se naturalmente.

 

O outro segredo deste pão está no uso do tacho como recipiente para cozer o pão. Numa padaria tradicional, os fornos têm sprays de vapor que regularmente introduzem vapor no forno. Porquê vapor? Porque vapor é essencial para uma côdea crocante! E todos nós queremos uma côdea crocante! Se houver alguém que goste de uma côdea mole pode parar de ler o blogue e ir comprar um pão de forma Bimbo ou daqueles pães híbridos sem côdea.

 

Como (infelizmente?) os comuns mortais não têm fornos profissionais em casa, há que arranjar uma maneira de introduzir vapor durante o processo de cozedura. No caso deste pão, o tacho aprisiona a água que se evapora da massa durante o processo de cozedura. Lembrem-se que tem de ser um tacho que possa ir ao forno, i.e. tachos sem parte de madeira ou plástico. O tacho tem também de ter uma tampa pesada de modo a que o vapor não saia do recipiente durante a cozedura. Inteligente, hein?

Existem histórias de sucesso com Pyrexs, tachos tradicionais, tachos de ferro ou cerâmica. Eu recomendo o uso de um Le Creuset. Sim, são caros mas duram para a vida inteira.

 

O sabor deste pão é bastante superior ao típico pão que se costuma comprar num hipermercado. Não existem razões para não tentar fazer este pão em casa.

 

Pão Preguiçoso

receita original de Jim Lahey, Sullivan Street Bakery

Ingredientes

  • 430g farinha de trigo
  • 345g água
  • 1g de fermento em pó (Fermipan, por exemplo)
  • 8 g de sal (ou flor de sal)
  • Azeite

Instruções

Misturar a farinha, sal e o fermento. Adicionar a água e misturar tudo até ficar com uma massa homogénea, algo que deve demorar entre 30 segundos a 1 minuto. Usar papel de cozinha encharcado em azeite para untar um recipiente limpo - não exagerar no azeite, é preciso apenas uma camada fina. Colocar a massa dentro do recipiente untado, cobrir com película aderente e deixar fermentar durante 12 horas à temperatura ambiente num local sem correntes de ar (micro-ondas, forno ou no armário por cima do frigorifico).

 

Colocar a massa numa superfície ligeiramente enfarinhada e dar uma dobra ou duas à massa. Deixar repousar durante 15min para o glúten relaxar. Enfarinhar um pano de algodão com bastante farinha - aqui podem ser generosos. Tender a massa em forma de bola e colocar com a baínha (alguém com um termo melhor para isto?) para baixo em cima da toalha enfarinhada. Polvilhar farinha por cima da massa e cobrir com um pano de algodão - mais uma vez, sejam generosos para evitar que a a massa pegue aos panos. Deixar fermentar durante 1-2h, a massa deve aumentar para o dobro do tamanho.

 

Meter um tacho dentro do forno e pré-aquecer o forno a 250ºc. Quando a massa tiver, retirar o tacho do forno (cuidado, muito cuidado pois vai estar bastante quente) e colocar/atirar a massa para dentro do tacho (a baínha fica virada para cima). Colocar a tampa no tacho, colocar dentro do forno e cozer durante 30 minutos. Retirar a tampa e cozer mais 15-30 minutos para que a côdea fique com uma cor que vos agrade.

P.S: O meu pão não cresceu como esperava, provavelmente pq fiz um período de fermentação demasiado grande, mas não há nenhum problema com isso. Chamo-lhe de "Miche" e o problema está resolvido. Se quiserem um pão mais alto, também têm a opção de fazer a segunda fermentação num recipiente redondo (untado com um fio de azeite ou óleo).

23.Nov.10

Zine de Pão - O Começo

Pão. Será possível escrever um blogue em que o tema central é pão?

 

O desafio foi-me lançado indirectamente por um amigo também interessado nas lides da panificação e apesar da minha primeira resposta ter sido bastante céptica, a ideia ficou-me na cabeça e ao fim de uns dias decidi criar este blogue.

 

Porquê? Sinto que o interesse por fazer pão em casa aumentou nos últimos anos. Propulsionado pelo aumento do preço do pão, pela nossa abertura a outros tipos de pão, pelo aparecimento das máquinas de fazer pão, etc. voltou-se a fazer em casa o que algumas das nossas avós ou bisavós até há pouco tempo faziam.

 

Nesta zine tenciono partilhar receitas, técnicas, fotografias, alegrias, frustrações, aumentar o meu e o vosso conhecimento sobre esta autêntica arte da panificação e despertar em vocês a vontade de fazer pão em casa.

 

Um pouco sobre mim

 

Nasci em 1985, bem depois da começo da industrialização do pão, e durante todo estes anos nunca tive especial interesse pela panificação. Cresci na Amora, perto de Almada, e na altura já era um pãozeiro (alcunha carinhosamente dada pelos meus pais quando por vezes comia 3 ou mais 'bolas de água' à refeição), mas apenas comia e nunca o cozi. O pão para mim era algo que se comprava na mercearia da esquina e uma presença constante em todas as nossas refeições. Quando esta presença na mesa foi agitada por uma mudança de país, senti falta deste elemento na minha mesa.  Não porque esteja num país sem cultura de panificação (impossível) mas por sentir falta do nosso pão que é um tanto diferente do pão sueco.

 

Foram preciso 24 anos até eu descobrir o prazer de fazer pão pela primeira vez e a partir daí todos os domingos têm sido passados na companhia de água, farinha, sal e um forno bem quente.

 

Quando não estou ao forno, estou a ouvir música, a coleccionar discos de vinil, a ver uma outra série, a ler livros de culinária e outros tantos romances. Ah, e a trabalhar como consultor.

 

Caso me queiram contactar podem enviar um e-mail para paulo[arroba]zinedepao.pt.