Margarina
Hoje vi o primeiro vídeo da série mini-chefs, uma iniciativa do Público e da Escola de Hotelaria e Turismo de Setúbal. Uma iniciativa de louvar que começa muito bem e ao mesmo tempo muito mal. Começa com um tema que me é muito próximo do coração desde que me tornei nesta espécie de padeiro autodidacta, a massa folhada. Antes de começar, confesso que também sou apegado à francofilia e tudo o que é a boulangerie francesa me desperta muito interesse e que quem me ensinou a fazer massa folhada é francês e uma figura de inspiração para mim, sendo a minha opinião baseada em muito no que aprendi com ele e no resto das leituras que faço sobre o assunto.
O que me saltou logo à atenção na lista de ingredientes foi margarina. Pensava que já todos nós tinhamos percebido que as gorduras transgénicas ou hidrogenizadas são más para a saúde. Quando penso em massa folhada penso logo em croissant e eu sou fiel ao croissant au beurre, feito com manteiga a sério.Será que somos nós consumidores que queremos as nossas confecções de pastelaria feitas com margarina? Não percebo. A mim assusta-me pensar que sim. A única razão que talvez possa imaginar, do alto do meu pouco conhecimento, é que seja mais fácil obter uma textura mais parecida à textura da massa usando margarina. É importante que a gordura tenha a mesma textura da massa, mas isso não invalida que seja possível fazer o mesmo com manteiga a sério. Desde quando é que nos começámos a contentar com o que é mais fácil? Mais fácil não significa melhor qualidade.
A outra parte que me deixou aparvalhado foi não usarem nenhum tipo de fermento na massa e o ovo ser opcional. Porque é que andamos a brincar com algo que é uma tradição? Se os croissants sempre se fizeram com uma massa levedada com ovo, porque andamos a brincar com a tradição?! Seria o mesmo de eu chegar a Portugal e começar a dizer que o pastel de nata faz-se de outra maneira completamente diferente, que em vez de massa folhada usamos uma massa quebrada como numa tarte. Seria melhor admitir que a receita é "um outro tipo de massa folhada" e que não devem de todo fazer croissants com ela. A única justificação que encontro é a necessidade de criar uma massa folhada que dos ingredientes até estar pronta a cozer leva uma hora. O resultado não deve ser mau, mas não deve ser tão bom comparado com uma massa que teve tempo de levedar, de repousar, de elevar os sabores naturais do trigo.
Por último, repousar a massa à temperatura ambiente entre dobras é algo me parece estranho. Numa massa folhada a sério, como podem ver na imagem em cima, deve ser possível fazer um corte na massa e ver as folhas (daí massa folhada) de manteiga e de massa intercaladas. À temperatura ambiente existe um maior risco que a gordura se derreta e se incorpore na massa. Será que é por isso que usam margarina para folhados? Se calhar comporta-se de uma maneira diferente à temperatura ambiente... mais um produto da indústria para se fazer as coisas mais depressa.
Adulteramos todo este processo para termos um produto mais rápido e mais fácil de produzir e andamos a ensinar isto ao futuro da pastelaria em Portugal? Onde está o esforço, dedicação e o amor à tradição? Se calhar só na minha cabeça e de outros tantos sonhadores...