O meu Pão Alentejano
Falar de Pão Alentejano é falar de algo maior que nós. É falar de um marco da gastronomia portuguesa. É falar da identidade de uma região. É falar de algo que move amores e ódios. É celebrar a cultura portuguesa. Por todos estes motivos e mais alguns, é também um assunto sensível falarmos de uma receita de Pão Alentejano. Não porque esta seja um segredo, mas porque este pão tem uma identidade tão única que torna injusto chamar "Pão Alentejano" a outros pães que nada têm a ver (sim hipermercados, estou a apontar o dedo a vocês). Esta é minha tentativa de recriar esse pão icónico, a minha homenagem e daí chamar-lhe "O meu Pão Alentejano".
Não sou alentejano e acho que não tenho nenhuma costela vinda da região, portanto não tenho nenhuma receita de família. O que tenho são memórias do travo ácido do pão alentejano, da côdea rija e baça, do miolo compacto e do seu famoso aspecto que também lhe dá o nome de "Pão de Cabeça". Além disso, tenho a internet, a blogoesfera, todos os meus livros de pão e a "sabedoria" que assimilei nestes últimos anos a fazer pão em casa. A ideia foi dissecar as memórias e descobrir como conseguiria atingir esses aspectos usando a literatura e conhecimento acumulado.
O travo ácido: O pão alentejano tem um ligeiro travo ácido. Este sabor é impossível de se conseguir sem usar um tipo de pré-fermento/crescente e sem fermentações longas. O pão alentejano usa tipicamente "massa velha" como crescente e é em parte esta massa velha que lhe dá o sabor ácido. Supondo que nenhum de nós tem um bocado de massa velha de pão alentejano algures em casa, o primeiro passo foi criar uma receita para uma"massa velha" que fosse favorável ao desenvolvimento das bactérias "heterofermentativas" que produzem o sabor ácido: um ambiente frio e uma massa com uma hidratação de 60% ou menos.
A côdea rija e baça: Algures no início do blogue, falei na importância do vapor para uma crosta brilhante, crocante e para um crescimento acentuado dentro do forno. Pois é, o pão alentejano não usa vapor nenhum durante a cozedura, daí a côdea sem brilho. Como conseguir a crosta grossa e crocante? Uma cozedura longa e a temperaturas mais baixas (para não queimar a côdea. eu deixei queimar um bocado no fim porque aprecio).
O miolo compacto: Numa discussão na parte de comentários do blogue, discuti com o 7partidas como se obtinha um miolo compacto e denso ou como se obtinha um miolo mais leve e cheio de alvéolos. Está tudo relacionado com a quantidade de água na farinha. As leveduras sentem-se mais à vontade num ambiente com bastante água e no forno grande parte de água evapora-se deixando alvéolos enormes e bonitos característicos de um pão como a Ciabatta (80-90% de hidratação). No caso do pão alentejano, queremos um miolo com alveólos pequenos e portanto passa por usar "pouca" água. Na literatura e na blogoesfera, não é incomum vermos 60% de hidratação nas receitas de pão alentejano. Assim foi.
O formato: Agora entramos nas particularidades de cada região em Portugal e no próprio Alentejo existem maneiras diferentes de tender o pão alentejano. Há o famoso pão de cabeça, cuja cabeça pode ser feita antes de entrar para o forno (Baixo Alentejo) ou antes da segunda fermentação e até há quem lhe dê um formato oblongo. Sejam criativos, não é importante. Pessoalmente, tentei dar a forma de pão de cabeça e falhei.
Com todas estas ideias em mente, cheguei à minha receita que agora partilho com vocês. É uma receita imperfeita, incompleta e com certeza que irá ser melhorada com os vossos comentários e ideias. O resultado é na minha humilde opinião, bastante bom. Na altura de comer, a minha sugestão é celebrar a cultura e gastronomia alentejana ao acompanhar o pão com um copo de um bom vinho tinto alentejano e alguns enchidos e queijos da região. Ou porque não esperar uns dias e fazer uma excelente açorda ou migas? Há pão mais versátil?
O meu Pão Alentejano
Um pão de 1kg ou dois pães de 500gMassa velha
- 70g de farinha de trigo
- 30g de água
- 50g de isco de trigo
- 2g de sal
Massa final
- 370g farinha de trigo rijo (alternativa, usar farinha normal)
- 270g farinha de trigo
- 390g água
- 13g de sal
- 150g de massa velha
Colocar num recipiente ligeiramente oleado e deixar fermentar durante quatro horas. Ao fim de duas horas, deve-se esticar e dobrar a massa de modo a expelir algumas das bolhas de ar. A massa não irá crescer muito nesta fase, a ideia é desenvolvermos o sabor ácido. Outra alternativa é fazer a fermentação no frigorífico durante 12 horas (durante a noite por exemplo).
Pré-aquecer o forno a 250ºc. Polvilhar uma superfície com um pouco de farinha, retirar a massa do recipiente e reservar 200g de massa para a próxima vez que cozerem pão. Tender na forma desejada. Podem fazer a "cabeça" do pão esticando o pão de modo a terem uma metade menos larga que a outra e dobrar uma sobre a outra antes de entrar para o forno ou neste preciso momento. Deixar a massa fermentar durante 45min.
A massa velha deve ser guardada no frigorífico máximo três dias ou em alternativa, no congelador onde poderá repousar durante mais tempo.
Cozer o pão a 250ºC nos primeiros 5min e posteriormente baixar a temperatura para 200ºC. Pães de 1kg deverão ser cozidos durante uma hora, pães de 500 gramas durante 30-45min ou até a temperatura interna atingir os 96ºC.