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Zine de Pão

Caderno de notas sobre farinhas, leveduras e temperaturas

Zine de Pão

Caderno de notas sobre farinhas, leveduras e temperaturas

28.Set.11

Margarina

Hoje vi o primeiro vídeo da série mini-chefs, uma iniciativa do Público e da Escola de Hotelaria e Turismo de Setúbal. Uma iniciativa de louvar que começa muito bem e ao mesmo tempo muito mal. Começa com um tema que me é muito próximo do coração desde que me tornei nesta espécie de padeiro autodidacta, a massa folhada. Antes de começar, confesso que também sou apegado à francofilia e tudo o que é a boulangerie francesa me desperta muito interesse e que quem me ensinou a fazer massa folhada é francês e uma figura de inspiração para mim, sendo a minha opinião baseada em muito no que aprendi com ele e no resto das leituras que faço sobre o assunto.

O que me saltou logo à atenção na lista de ingredientes foi margarina. Pensava que já todos nós tinhamos percebido que as gorduras transgénicas ou hidrogenizadas são más para a saúde. Quando penso em massa folhada penso logo em croissant e eu sou fiel ao croissant au beurre, feito com manteiga a sério.Será que somos nós consumidores que queremos as nossas confecções de pastelaria feitas com margarina? Não percebo.  A mim assusta-me pensar que sim. A única razão que talvez possa imaginar, do alto do meu pouco conhecimento, é que seja mais fácil obter uma textura mais parecida à textura da massa usando margarina. É importante que a gordura tenha a mesma textura da massa, mas isso não invalida que seja possível fazer o mesmo com manteiga a sério. Desde quando é que nos começámos a contentar com o que é mais fácil? Mais fácil não significa melhor qualidade.

 

A outra parte que me deixou aparvalhado foi não usarem nenhum tipo de fermento na massa e o ovo ser opcional. Porque é que andamos a brincar com algo que é uma tradição? Se os croissants sempre se fizeram com uma massa levedada com ovo, porque andamos a brincar com a tradição?! Seria o mesmo de eu chegar a Portugal e começar a dizer que o pastel de nata faz-se de outra maneira completamente diferente, que em vez de massa folhada usamos uma massa quebrada como numa tarte. Seria melhor admitir que a receita é "um outro tipo de massa folhada" e que não devem de todo fazer croissants com ela. A única justificação que encontro é a necessidade de criar uma massa folhada que dos ingredientes até estar pronta a cozer leva uma hora. O resultado não deve ser mau, mas não deve ser tão bom comparado com uma massa que teve tempo de levedar, de repousar, de elevar os sabores naturais do trigo.

 

Por último, repousar a massa à temperatura ambiente entre dobras  é algo me parece estranho. Numa massa folhada a sério, como podem ver na imagem em cima, deve ser possível fazer um corte na massa e ver as folhas (daí massa folhada) de manteiga e de massa intercaladas. À temperatura ambiente existe um maior risco que a gordura se derreta e se incorpore na massa. Será que é por isso que usam margarina para folhados? Se calhar comporta-se de uma maneira diferente à temperatura ambiente... mais um produto da indústria para se fazer as coisas mais depressa.

 

Adulteramos todo este processo para termos um produto mais rápido e mais fácil de produzir e andamos a ensinar isto ao futuro da pastelaria em Portugal? Onde está o esforço, dedicação e o amor à tradição? Se calhar só na minha cabeça e de outros tantos sonhadores...

08.Set.11

O Ibán

Não conheço o Ibán e talvez por isso devia tratá-lo pelo primeiro e último nome, Ibán Yarza. No entanto, dado que temos em comum um amor pelo pão artesanal, um imenso respeito pela tradição, uma tristeza partilhada pelo imenso número de culturas de cereais que se perderam ao longo do tempo, uma proximidade com a Suécia e uma vontade de querer - de algum modo - dar outro rumo à história, penso que seríamos amigos se nos conhecessemos na vida real. Por isso, acho que posso tratá-lo por Ibán e quem sabe, talvez um dia nos cruzemos pelo norte da Europa e possamos partilhar umas ideias.

 

O Ibán é um padeiro autodidacta e o autor do Te quedas a cenar?, um blogue mais generalista sobre comida mas com uma forte parte sobre pão, e é também autor de um blogue dedicado à memória do pão. Além disso, o Ibán é muito mais activo na promoção do bom pão pelo pais vízinho do que o vosso caro autor. Ele é o tradutor do The Handmade Loaf do Dan Lepard, que na língua do país vizinho se chama Hecho a Mano, organiza cursos sobre fazer pão em casa e tem uma palestra no TEDx Madrid que me marcou. Deixo-vos com esse vídeo.

É o momento do pão e nós consumidores temos a primeira palavra nisso. É necessário que sejamos mais exigentes quando compramos pão na padaria da esquina, é necessário que perguntemos que tipo de farinha usam, se usam fermento natural, se usam farinha com aditivos (outro post sobre isso noutra altura) e por aí fora. Está nas nossas mãos.

06.Set.11

Elizabeth David

Writing of a subject so ancient and so universal as the baking of bread it is hard for a modern author to find fresh words to express his views and his observations. Over and over again I have found that something I have been struggling for days to put on paper has been said long before, and in rather more graphic words than I could achieve. “Wherefore do ye spend money for that which is not bread?” demands the Prophet Isaiah. I doubt if I could ever convey my feelings about shop bread quite so devastatingly.

Senhoras e senhores, Elizabeth David. Ditto.

03.Set.11

Pão de Maçã

Aqui pelo Norte começam-se a ver as macieiras carregadas de fruta. Abana-se o ramo, algumas caiem e assim se apanham as que estão prontas para serem comidas. O Outono também chega mais cedo e estava mesmo a calhar fazer um pão mais a condizer com a época. Assim nasceu um pão de maçã.

Este pão tem apenas maçã como ingrediente adicional mas após este ter saído do forno pensei que seria interessante dar-lhe mais carácter adicionando nozes ou algumas ervas aromáticas - pensei em tomilho, mas alecrim também deveria casar bem - ou porque não com ambas as coisas. Passadas algumas horas e após ter dado uma vista de olhos pela receita do pão de maçã do Bread, esse excelente livro do qual falarei noutra ocasião, ocorreu-me que seria ainda melhor ter secado as lascas de maçã no forno, talvez com um fio de mel e com as ervas aromáticas de modo a intensificar o sabor a maçã. Eu usei estas maçãs vermelhas, pequeninas, das quais que não sei o nome mas a receita deve funcionar com qualquer outro tipo de maçã e deve ser bestial com maçã reineta, mas não as consigo encontrar por aqui. Deixo as sugestões para vocês seguirem e encontrarem a vossa própria receita.  

 

Os leitores atentos vão ver que não existe grandes diferenças entre esta e a receita do Pão Branco. Pois bem, tenho usado a mesma receita mestre para todos os pães que tenho feito e assim foi com este. Nesta apenas experimentei fazer uma fermentação de 48 horas e devo-vos dizer que os resultados são excelentes. No entanto se não quiserem esperar 48 horas podem fazer uma fermentação à temperatura ambiente, i.e. depois de amassar deixar a massa atingir o dobro do volume, tender o pão na forma que desejarem e depois deixar crescer (ou fintar, como se diz na Beira) o pão até estar pronto a ir ao forno, entre uma a duas horas. 

Pão de Maçã

Dois pães grandes
Tempo de levedação total: aproximadamente 48 horas

Pré-fermento

  • 50g de isco de trigo
  • 100 de água
  • 100g de farinha de trigo
Misturar tudo numa massa homogénea e deixar repousar durante 12 horas à temperatura ambiente.

Massa final

  • 1500 de farinha de trigo
  • 1000g de água tépida
  • 40g de sal
  • 500g de maçã em lascas
  • Pré-fermento do dia anterior
Misturar todos os ingredientes excepto o sal até ter uma massa homogénea. Deixar repousar durante uma hora e aproveite o repouso para descascar, ou não, as maçãs e cortá-las em lascas. Mantenha-as em água com um pouco de sumo de limão se não as usar imediatamente para evitar que comecem a oxidar. Na altura de adicionar as lascas de maçã ao pão, podem-se passar por farinha para evitar que vão parar ao fundo do pão e fiquemos com uma melhor distribuição das maçãs no miolo do pão.

Adicionar o sal e as lascas de massa à massa e incorporar bem. Amasse até obter uma massa que esteja bem desenvolvida, 10-15 minutos na máquina ou uns bons 20 a 25 minutos à mão. Deixar à temperatura ambiente dentro de um recipiente ligeiramente oleado, ou com toalhas de cozinha enfarinhadas, entre uma a duas horas. Colocar no frigorífico.

Passadas vinte e quatro horas, é tempo de retirar a massa do frigorífico, dividir e tender o pão. Colocar em recipientes para fermentação enfarinhados (um pano bem enfarinhado dentro de uma taça grande é uma boa solução). Deixar à temperatura ambiente durante uma a duas horas e depois voltar a colocar no frigorífico onde deverá repousar outras 24 horas.

Retirar o pão do frigorífico e deixar o forno pré-aquecer a 250ºC . Cozer num forno bem quente com vapor. Para fazer vapor, coloquem uma travessa antiga de metal no fundo do forno e na altura de meter o pão no forno, deitar cuidadosamente água a escaldar dentro da travessa. Retirar o recipiente com água ao fim de 10-15 minutos e baixar a temperatura para 200ºC. Para dois pães grandes, devem cozer o pão durante mais 60 minutos. Retirar do forno e deixar arrefecer numa rede de metal.