O pão, a meu ver
Era uma vez um blogue que vai fazer seis anos em 2017. Nesses seis anos, e ainda antes desses, o autor do blogue andou a "namorar" o pão e continua numa relação feliz com ele. Às vezes não nos conseguimos compreender muito bem um ao outro, como em qualquer relação, mas isso não interessa muito para o post em questão.
Ao longo destes dos últimos nove anos da minha vida passou-se muita coisa. Passei de mero consumidor a entusiasta das fornadas caseiras e depois passei de engenheiro de profissão para padeiro. Durante estes anos, li muito sobre pão, conheci muitas pessoas do pão, travei conhecimento com muitos padeiros, segui (e sigo) muitas contas de instagram de padeiros, trabalhei com pessoas diferentes, experimentei farinhas mais interessantes e outras menos interessantes, vi diferentes processos e técnicas de trabalhar a massa e tive tempo para comer pão bom e pão mau. Todas estas experiências diferentes acabaram por formar uma ideia do que é pão para mim.
A minha visão sobre o pão foi sempre alterando e é algo que se vai continuar a alterar no futuro.
Quando comecei este blogue era um típico sourdough nazi, passando a expressão usada com afluência na internet. Para mim o único pão possível era o fermentado com isco, tudo o resto era uma imitação de pão. Além disso era um aficcionado do pão branco, e o pão tinha de ter uns alvéolos bem malucos onde dava para esconder um rato. Hoje em dia já não penso da mesma maneira.
Não tenho problema nenhum com pães levedados com fermento de padeiro, obtêm uma expressão diferente dos pães levedados com isco e que pode ser interessante noutros contextos - por exemplo, uma baguete típica francesa não me faz sentido sem ser com fermento fresco (e poolish). Continuo todavia a ficar irritado com padarias que dizem ter pão levedado com isco e usam fermento na mesma, isso não mudou. Nos dias que correm os meus pães favoritos são feitos com bastante farinha integral, apesar de continuar a gostar muito de pão branco, e essa farinha integral deve de preferência ser de algum cereal interessante, de algum tipo de trigo esquecido, de um trigo que foi abandonado por se preferir o trigo que mais produz ao invés do trigo mais saboroso. Quem diz trigo, também diz centeio, milho, aveia ou outro ceral qualquer.
Algo que é relevante para mim, e não o era por razões óbvias há uns bons anos, é que o pão que se produz tem de funcionar no tipo de produção que a padaria tem. Temos de ser pragmáticos, agradeço à minha formação em engenharia por isso, e desenvolver receitas e métodos que funcionem numa produção real. Cada padaria tem um tipo de produção diferente adaptado às suas circunstâncias: a existência ou não espaço de refrigeração, o tamanho desta, os horários de produção, o número de padeiros, etc.
Que tipo de pão gostava de ver em Portugal? O tipo de pão que quero fazer em Portugal vai provavelmente andar à volta destas ideias: farinhas biológicas e integrais, fermentações longas, espécies de cereais antigas, trabalhar com diferentes variedades singulares de trigo (ver o exemplo do barbela), pré-fermentos (sejam eles isco, levain ou poolish), cereais germinados, e métodos que se adaptem à nossa produção.