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Zine de Pão

Caderno de notas sobre farinhas, leveduras e temperaturas

Zine de Pão

Caderno de notas sobre farinhas, leveduras e temperaturas

31.Jul.12

A semana que passou


Na última semana, tive a oportunidade de ir fazer um curto stage noutra padaria aqui em Estocolmo: a Gateau. Tinha conhecido um dos chefes padeiros de lá e na altura tinha discutido que seria interessante ver uma padaria maior que aquela onde sou aprendiz (de fim-de-semana). De inspiração francesa e com o mestre Pôilane como deus, a Gateau é uma das maiores padarias em Estocolmo com lojas em vários sítios mas na padaria tenta-se manter o espírito de artesão da profissão. Estou habituado a um espaço pequeno onde mal caibo eu e o maestro, mas este espaço na Gateau era gigante (e fiquei a saber que se vão mudar para um local ainda maior!!!) e em vez de duas pessoas éramos umas 6-7 ao mesmo tempo.

 

Na padaria existem três turnos, manhã, tarde e noite. Eu fiz o turno da manhã que começa por volta das 6 da manhã e onde se misturam todas as massas, tendem-se os pães e formam-se os bolos. Habituado a tender talvez um máximo de 20 pães por noite, agora tive a oportunidade de talvez tender 100 pães por dia e mais umas boas dezenas de bolos. Oportunidade fantástica para treinar e acredito que finalmente (!!!) já consigo tender pães em forma de boule com as duas mãos- a ver se o maestro aprova quando voltar a trabalhar com ele. Infelizmente, os turnos que cozem o pão são os turnos da tarde e da noite. Para mim, isto perde todo o charme da profissão, a transformação da farinha, água e sal em pão. Poder acompanhar todo esse processo é pra mim o que me dá felicidade e alegria em fazer pão. 

 

No geral foi uma boa experiência e ajudou-me a definir em maior detalhe, se algum dia me decidir por isso - não nego que já pensei muitas vezes na coisa, quem quero ser como padeiro e que tipo de padaria quero ter. Como estou ainda de férias amanhã volto à casa mãe onde sou aprendiz, mas não é para começar a cozer pão... primeiro tem de se limpar a padaria toda e preparar as coisas todas para que dia 7 possamos abrir outra vez. Como diriam os anglo-saxónicos: It couldn't be all fun and games, right?


P.S: Sim, são uns quantos quilos de manteiga na última foto. É para os croissants... a sério, com manteiga. Deixem-se lá de margarinas.

24.Jul.12

Pães "explosivos"

Já aconteceu algumas vezes perguntarem-me "Porque é que os meus pães rebentam de lado?" ou "O meu pão explodiu de lado e ficou feio. Porquê?!?!?". Sempre tive dificuldade em responder à questão pois também me acontece bastantes vezes e eu ainda não tinha percebido porquê, mas aqui há coisa de umas semanas consegui perceber um pouco mais do porquê.

Um pão correctamente levedado quando entra no forno cresce pela última vez e as leveduras dão o seu "último suspiro". Aceleradas pela temperatura elevada as leveduras consomem parte dos açúcares ainda presentes na massa, producem dióxido de carbono que leveda o pão e cessam a sua actividade após passar os 50C - a temperatura elevada leva à "morte do artista". É durante último suspiro das leveduras que normalmente o pão pode "explodir" descontroladamente. Os cortes que se fazem no pão antes de ir para o forno são feitos para de algum modo poder controlar a expansão nestes últimos instantes e o pão manter a forma que nós queremos. Em Portugal não é tão típico fazerem-se cortes no pão e trabalhamos mais com dobras, as chamadas "cabeças", e outros métodos. Caso não se façam cortes no pão, este vai rebentar e crescer no ponto mais fraco do pão - o ponto mais húmido - que costuma na maior parte das vezes ser os lados.

 

Contudo, mesmo fazendo cortes há situações onde o pão continua a rebentar de lado. Isto deve-se a um simples facto: o pão deveria ter levedado durante mais tempo, ou numa linguagem de padeiro dir-se-ia que o pão ainda tinha demasiada força. É possível cozer um pão que ainda tem bastante força mas devemos ser mais rigorosos nos cortes e fazer cortes mais fundos. No entanto, a melhor alternativa é sempre deixar o pão levedar mais um pouco. Avaliar se um pão está correctamente levedado é algo que só vem com muitos anos de experiência e faz-se através do tacto. Tentem sentir a massa pressionando ligeiramente com os dedos antes de a colocarem no forno. Nas receitas escrevemos "levedar durante 2 horas" mas tudo isso são linhas gerais para nos guiarmos e não devem ser tomadas como verdades absolutas.

 

O pão é sensível a muitos factores: humidade, temperatura, tipo de farinha ou até a disposição do padeiro que varia de dia para dia. Infelizmente, é impossível as receitas terem em conta todos esses elementos. É por ser uma arte que envolve todos os nossos sentidos, é por isso que fazer pão me continua a fascinar.

17.Jul.12

Tão iguais e e tão diferentes

Ando por terras portuguesas em passeio e em serviço de recuperação de iscos "meio a dar pró morto". Trouxe comigo o meu isco sueco para ver se notava alguma diferença entre este e um local, e se caso corresse mal com o isco local sempre havia um plano B.

Sobre o isco em apuros... é natural que com estas temperaturas que se têm feito sentir que este deite um cheiro demasiado a dar para o ácido e avinagrado. Passo a explicar: um isco tem naturalmente três etapas depois de ser refrescado, a primeira é um estado onde o aroma é ligeiramente doce e consegue-se cheirar o trigo para depois começar a crescer de volume mas mantendo um aroma agradável, mas quando o isco começa a minguar é altura de outras bactérias tomarem conta da cultura. Essas bactérias produzem ácido acético e láctico, sendo que o primeiro lhe confere o sabor e aroma demasiado ácido. Quando as temperaturas estão mais elevadas, todo este processo acontece mais rápido. Solução? Usar água fria. Ao usar água fria, consegue-se controlar de algum modo a temperatura de fermentação... e apesar de ao fim de umas horas o isco acabar por ir parar à temperatura ambiente, este pequeno travão imposto no início ajuda a termos um pouco mais de controle sobre as coisas. Manter o isco numa parte da casa mais fresca, também é uma boa ideia.

 

Outros sintomas aborrecidos desta fermentação acontecer demasiado rápida, é terem problemas com o pão... este não crescer, ser demasiado ácido, etc. Usem a temperatura da água a vosso favor. É o único elemento que pode ser manipulado pelo padeiro! A farinha e o isco estão à temperatura ambiente, só a água é que está sobre o nosso controle.

 

Quanto à experiência de ver se os dois iscos se iriam comportar de maneira diferente, obtive resultados engraçados. Os dois iscos, em aspecto tanto iguais, acabaram por ter aromas completamente diferentes e maneiras de se comportar diferentes. Um crescia mais rápido e o outro menos rápido. Um deitava aromas que faziam lembrar um bom vinho rosé e outro ligeiros tons ácidos q.b. que não eram de todo desagradáveis. Isto acontece porque durante a sua "vida" foram alimentados com farinhas de países diferentes, farinhas de trigo cujos grãos são expostos a outras bactérias e leveduras presentes no ar que são diferentes de país para país. Tal como um bom vinho, é minha crença que um isco também tem o seu terroir. Terroir esse que vem das farinhas locais, da água local, do ar local e por que não dizer também do clima local?

 

Ao final de uns tempos a ser refrescado com uma farinha diferente o terroir original vai passar por uma metamorfose e o isco reiventa-se com outro terroir. Fascinante.