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Zine de Pão

Caderno de notas sobre farinhas, leveduras e temperaturas

Zine de Pão

Caderno de notas sobre farinhas, leveduras e temperaturas

28.Fev.11

A janela de glúten

Quando se fala de amassar, em especial amassar à mão, é sempre difícil estimar se se deve amassar 5 minutos, 8 minutos ou 15 minutos. Máquinas de amassar tem velocidades diferentes, a primeira velocidade pode significar algo noutra máquina e quando falamos de amassar à mão algumas pessoas são mais fortes e mais rápidas a amassar a massa, enquanto que outras demoram consideravelmente mais tempo.

 

Existe uma maneira de "medir a olho" se a massa está bem amassada ou se ainda precisa de mais umas voltas e "sovas", normalmente vemos se a massa tem um aspecto baço, se a massa não se pega à bancada ou ao recipiente onde está a ser amassada, mas o teste mais preciso é o teste da janela de glúten.

janela de glúten

 

Quando amassamos a massa, não estamos a fazer mais do que trabalhar a estrutura de glúten. Alinhamos estas proteínas para garantir que o dióxido de carbono é "aprisionado" pela massa e para que esta possa levedar. Para verificar que a massa está bem trabalhada basta esticar um pedaço de massa e se a massa estiver bem trabalhada vão conseguir esticá-la até formar uma fina translúcida "janela" de glúten, como na imagem. Se a massa rebentar ao tentar esticá-la, é sinal que precisa de ser trabalhada mais um pouco.

22.Fev.11

Pão Levain Branco

O pão branco foi uma das principais razões que me levou a começar a fazer pão em casa. Estando a viver na Suécia, é mais comum o pão com centeio ou com espelta, o pão com bastantes nozes e sementes, o pão escuro e compacto, o pão enriquecido com caramelo ou com compota de lingon (erradamente chamado de mirtilho) e por aí fora. Não é que não sejam bons, têm um sabor excelente, mas o pão branco de trigo tem mais apelo para mim.

 

amassar o pão

 

Parte da razão por detrás deve ser por sermos apegados à comida que nos traz memórias. Podemos dizer que "Comer é reviver"? Talvez não, mas a comida consegue-nos transportar para uma zona de conforto, seja por aquele bolo de iogurte que a nossa avó materna costumava fazer e nos leva aos tempos em que éramos pequenos ou pelo simples bife com batatas com fritas e ovo a cavalo que a minha avó paterna fazia todas as vezes que eu ia lá a casa. No mesmo seguimento de ideias, o pão branco acaba por me transportar para Portugal e para quase todas as refeições da minha vida. O pão esteve sempre lá e nunca lhe dei o devido valor até sentir a falta dele. Este fim de semana passado, a saudade apertou e saíu um levain branco.

 

O termo levain vem do francês e é o termo que os franceses usam para se referirem ao fermento natural, ao isco. O pão levain não passa de um pão fermentado com o uso de um fermento natural e tem um gosto que apenas pode ser adquirido com o uso deste tipo de fermento e com uma fermentação longa que permita desenvolver todos os ácidos orgânicos que conferem sabor ao pão. Além do levain, este pão leva apenas água, farinha de trigo rijo e sal. 

massa de pão a fermentar

Queria um pão com alvéolos, ou buracos, pronunciados e para isso precisamos de usar mais água e trabalhar com uma massa mais líquida, algo que não é nenhum problema se amassarem com uma máquina pois apenas leva mais uns quantos minutos a amassar até atingir o ponto ideal em que a massa está bem amassada, em que não se pega aos cantos da taça e tem uma superfície baça. Quando se amassa à mão, o processo pode ser mais aborrecido e normalmente o que se pode fazer é incorporar a água em duas vezes, i.e. amassar primeiro com 2/3 da quantidade de água e depois da massa já ter uma consistência aceitável adicionar o resto e continuar a amassar. É um processo trabalhoso, mas produz um pão com uma estrutura do miolo agradável de se comer e de se ver. 

 

A levedação é longa, entre quatro a cinco horas, e se decidirem fazer a fermentação durante a noite no frigorífico o pão desenvolve ainda mais sabor. No entanto, fazemos apenas um único período de fermentação e neste aspecto difere da maior parte dos pães que aqui temos falado, onde após tender o pão deixamos este fermentar mais uma hora ou duas. Nesta receita, saltamos esse passo e ao tender a massa é necessário ter um cuidado extra para não expelir o precioso dióxido de carbono.

 

O resultado é saborosíssimo. É fantástico como algo tão simples, apenas com três simples ingredientes, possa ter um gosto tão bom. Citando o Chad Robertson, este é um pão que é "uma mistura de água, sal e farinha que através do processo de fermentação transforma-se em algo cujo sabor transpõe a simplicidade dos seus ingredientes".

pão levain

Pão Levain Branco

Dois pães grandes de 800 gramas
Tempo de levedação total: 3 a 5 horas

Pré-fermento

  • 50g de isco de trigo
  • 200g de água
  • 200g de farinha de trigo
Misturar tudo numa massa homogénea e deixar repousar durante 12 horas à temperatura ambiente.

Massa final

  • 750g de farinha de trigo
  • 450g de água tépida
  • 20g de sal
  • Pré-fermento do dia anterior
Misturar todos os ingredientes excepto o sal, amassar até o glúten estar bem desenvolvido e depois adicionar o sal e amassar durante mais uns minutos. Caso usem uma máquina, devem amassar durante cinco minutos na primeira velocidade, outros três minutos em segunda velocidade e adicionar o sal e deixar a máquina mais um ou dois minutos. Colocar a massa num recipiente ligeiramente oleado e deixar fermentar entre três a cinco horas. A massa deve ser esticada e dobrada ao fim da primeira hora e a partir daí em intervalos de 30 minutos. Pode também fazer a fermentação durante a noite dentro do frigorifico, tendo o cuidado de retirar e deixar esta uma hora à temperatura ambiente antes de cozer o pão.

Quando o pão tiver levedado para o dobro do volume (ás vezes um pouco menos) é altura de dividir a massa e tender o pão na forma que desejarem. Na minha receita, optei por uma forma de tronco. Para tal dividir a massa em duas partes e formar dois quadrados, tendo o cuidado de não expelir muito do ar contido dentro da massa, e dobrar o pão ao meio ao comprido de modo a obter um rectângulo. Deixar a "baínha" do pão para o lado para o que pão possa abrir por aí quanto estiver no forno.

Cozer num forno a 250ºC com vapor durante os primeiros minutos. Se o pão começar a ganhar muita cor, baixar a temperatura para 200ºC. Para pães com 850g, a cozedura demora aproximadamente 45 minutos.

Retirar do forno e deixar arrefecer numa rede de metal.
15.Fev.11

Pão de Figos e Nozes

Depois de um fim-de-semana em que troquei o quente do forno pelo frio da serra e das pistas de esquí, apesar de um azelha nato, este fim-de-semana passado foi altura de matar saudades de fazer pão.

 

A inspiração para o pão deste fim-de-semana veio do queijo, esse eterno companheiro.  Pão com queijo, queijo com pão, pão de queijo ou outras tantas combinações. Quanto tenho amigos para jantar, gosto de terminar a refeição com queijo, alguma fruta, frutos secos e nozes. Incrível como algo tão simples pode ser tão reconfortante.

 

Auxiliado por uns figos secos algarvios que a mamã trouxe no sapatinho quando me veio visitar no Natal, juntaram-se as nozes e um pouco de centeio e nasceu este pão cujo sabor melhora com o passar dos dias.

 

Delicioso com um pedaço de um bom queijo azul como Roquefort ou Saint Agur.

pão com figos e nozes

Pão de Figos e Nozes

3 pães grandes
Tempo de levedação total: 3 horas

Pré-fermento

  • 230g de farinha de trigo
  • 150g de água
  • 5g de sal
  • 1 pitada de fermento granulado (1/8 de uma colher de chá)
Misturar tudo até se parecer com uma massa. Deixar repousar entre 12-16 horas à temperatura ambiente.

Massa final

  • 500g de farinha de trigo
  • 180 de farinha de centeio
  • 490g de água
  • 13g de sal
  • 10g de fermento granulado
  • 27g de mel
  • 170g de figos secos
  • 170g de nozes
  • Pré-fermento
Misturar todos os ingredientes excepto o pré-fermento, as nozes e os figos. Amassar durante três minutos na primeira velocidade e adicionar o pré-fermento em pedaços. Amassar mais cinco minutos numa velocidade mais alta. Por fim, adicionar as nozes e os figos cortados em pedaços e incorporar bem na massa.

Fermentar durante duas foras. Ao fim da primeira hora, esticar e dobrar a massa para retirar algum do ar.

Dividir a massa em pedaço de 750 gramas, caso queiram três pães grandes. Tender o pão na forma que desejarem e deixar fermentar coberto durante uma hora ou até a massa ter crescido.

Cozer num forno pré-aquecido a 250ºC com vapor. Ao fim de 10-20 minutos, ou quando o pão começar a ganhar demasiada cor, baixar a temperatura para 220ºC. Para os pães de 750 gramas o tempo de cozedura é aproximadamente 40 minutos, ou até a temperatura interior atingir os 98ºC.
04.Fev.11

Tipos de fermento

Tipos de fermento

Tão iguais e ao mesmo tempo tão diferentes são os tipos de fermento que se usam para pão. Diferentes texturas, diferentes propriedades, aspecto diferente mas no fundo o mesmo tipo de levedura. Começando da esquerda para a direita no sentido dos ponteiros do relógio, temos fermento fresco de padeiro, fermento selvagem ou isco (ainda estou a investigar se é o nome correcto) e por último o fermento em pó ou granulado. O primeiro e o último pertencem à categoria de fermento fabricado/industrial e o outro é um fermento natural.

 

Até aos finais do século XIX o fermento mais utilizado era o fermento selvagem, normalmente personalizado por um pedaço de massa velha que era guardado de fornada em fornada. Nestes tempos, ninguém percebia muito bem como a fermentação funcionava e também não se preocupavam com isso. Limitavam-se a atribuir o processo a uma causa divina qualquer (em Portugal, nalgumas terras ainda se tem de a tradição de dizer uma benção quando se deixa o pão a levedar).

 

As coisas continuaram assim, até um senhor chamado Louis Pasteur, também responsável pelos processos de pasteurização, ter descoberto que a fermentação ocorria graças a um organismo vivo: a levedura. Pasteur, ele próprio muito religioso, acabou por aceitar o paradoxo da sua descoberta, ao argumentar que a levedura era também em si uma criação de Deus. A fermentação continuaria assim a ser um processo com alguma intervenção divina. A ciência pegou na sua descoberta e tomou as rédeas da selecção natural e escolheu as espécies de levedura mais fortes (i.e. levedam mais rápido) para produzir o fermento fabricado. Os padeiros jubilaram de alegria e o fermento selvagem caíu em desuso. Começara a era da industrialização do pão.

 

Gosto de História, mas vamos lá falar de fermentos. Qual devemos usar? Como devem ser usados? Qual o melhor?

 

Não existem grande diferença entre o fermento fresco e o fermento granulado. São ambos a mesma espécie de levedura, produzem os mesmos tempos de levedação e portanto pode-se substituir um pelo outro em qualquer receita. A fórmula a ser usada é: fermento granulado (g) = 0.4 x fermento fresco (g), que significa que numa receita que use 10 gramas de fermento fresco podemos usar 4 gramas de fermento granulado e não afectar em nada o resultado da receita. É uma boa dica a reter. A grande diferença é que o fermento fresco tem uma validade de três semanas após a data de fabrico ao quanto que o granulado tem validade de um ano se a embalagem não tiver sido aberta. Além disso, o fermento fresco deve ser sempre dissolvido em água antes de se adicionar a farinha ao passo que o granulado pode ser adicionado e misturado com a farinha. Pessoalmente, acho o fermento granulado mais prático.

 

Por outro lado, o fermento selvagem é um tanto quanto diferente do fermento fabricado e, que eu saiba, não existe nenhuma fórmula de conversão directa. A principal diferença é que este leveda mais lentamente, mas ao fazer isto dá tempo a outro tipo de organismo presente numa massa de pão fazer o seu trabalho: as bactérias. "Credo! Bactérias!" - dizem vocês, mas estas são das boas. As bactérias presentes numa massa produzem ácido láctico e ácido acético e contribuem para um sabor mais complexo. Segundo DiMuzio, um pão com uma pequeníssima quantidade de fermento de fabrico leveda pães em cerca de 1-2 horas, ao quanto que as bactérias precisam de pelo menos 3-4 horas para produzirem estes ácidos. Todavia, é possível obter resultados parecidos com o fermento fabricado recorrendo ao uso de pré-fermentos (tema para outro post no futuro). O próprio isco é um pré-fermento de leveduras selvagens.

 

Resumindo, não existe nenhum fermento melhor que o outro. Todos têm características diferentes que podem ser/são usadas pelo padeiro para obter resultados diferentes. O que devia ser a maior aprendizagem deste post é que os tempos de levedação são importantes e não devem ser apressados. Aumentar a quantidade de fermento numa massa ou coloca-la a levedar num ambiente mais quente para que esta levede mais depressa produz pão num curto espaço de tempo, mas também produz um pão menos interessante.