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Zine de Pão

Caderno de notas sobre farinhas, leveduras e temperaturas

Zine de Pão

Caderno de notas sobre farinhas, leveduras e temperaturas

31.Jan.11

Cacete com Sementes

Depois de ver o vídeo do Sébastien onde ele exemplifica alguns golpes que ele usa como padrão nos seus pães, fiquei com curiosidade de testar o tipo de baguetes tendidas nos primeiros minutos do vídeo. Uma baguete com as pontas espigadas que no forno acabam por tostar. caramelizar e ficar super estaladiças. Não me soa mal.

Passados uns dias, vejo num programa de TV um padeiro a fazer umas baguetes com sementes que este recordava com saudade a primeira vez que as provou no que se tornou o seu café preferido em Paris. Umas baguetes servidas ao pequeno-almoço com passas, sementes de sesámo, de girasol e de linhaça. Também não me soou nada mal.

Decidi juntar as ideias e assim nasceram estes cacetes (ou cacetinhos?) com sementes.

Fazer baguetes ou cacetes é sempre algo engraçado, para mim, pois gosto da maneira como a segunda levedação é feita. Muitos de vós conhecem certamente os famosos tabuleiros para baguetes que têm a sua utilidade e são extremamente práticos. No entanto, a maneira tradicional de levedar este tipo de pão é com um pano enfarinhado, ao qual se dão dobras entre cada pão de modo a formar uma altura que dá suporte ao pão para crescer em altura e evita que as massas peguem umas às outras. Um passo totalmente opcional caso tivesse um desses tabuleiros, mas como sabem fascina-me o método de como o artesão o faz.

Não saíram tão "bonitas" como as do vídeo, mas o sabor é espectacular e é fascinante como uma tão pequena quantidade de sementes consegue fazer-se notar tão nitidamente no sabor do pão. Pães perfeitos para um pequeno-almoço de domingo.

Cacete de Sementes

Oito mini baguetes de 150g ou quatro baguetes de 300g
Tempo de levedação total: 4 horas

Pré-fermento

  • 50g de isco de trigo
  • 100g de água
  • 100g de farinha de trigo
Misturar tudo numa massa homogénea e deixar repousar durante 12 horas à temperatura ambiente.

Massa final

  • 570g de farinha de trigo
  • 250g de água tépida
  • 2g de fermento em pó (opcional)
  • 12g de sal
  • 10g de sementes de linhaça
  • 10g de sementes de girasol tostadas
  • 10g de sementes de sésamo
  • 10g de passas
  • Pré-fermento
Adicionar água ao fermento em pó (caso usem) e misturar. Juntar a farinha e deixar a máquina amassar em primeira velocidade durante dois minutos ou até a farinha ter sido mais ou menos incorporada. Juntar o pré-fermento e amassar durante mais dois minutos em primeira velocidade e depois oito minutos em segunda velocidade. Adicionar o sal e misturar durante mais dois minutos. Por último, adicionar as sementes e passas e deixar envolver bem até estas estarem bem distribuídas na massa.

Colocar num recipiente ligeiramente oleado e deixar fermentar durante duas horas. Ao fim de duas é altura de esticar a massa e dobrá-la sobre si própria. Feito isto, deixamos fermentar durante mais uma hora. Pré-aquecer o forno a 250ºC.

Cortar a massa em pedaços de 300 gramas caso pretendam fazer cacetes de tamanho regular ou em peças de 150 gramas caso queiram fazer as mini-baguetes. Tender em forma de cacete e deixar a levedar entre panos enfarinhados e dobrados entre cada massa de modo a que estas não se peguem ao levedar. A levedação leva cerca de 30 minutos para as mini-baguetes e cerca de 45-60 minutos se optarem pelas regulares. Mais ou menos até dobrar em tamanho.

Colocar os pães levedados num tabuleiro, fazer os golpes típicos de um cacete e coloque-os no forno. Para ajudar à crosta dourada e crocante, façam um pouco de vapor borrifando as paredes do forno com água. Os pães pequenos demoram cerca de 15 minutos a cozer enquanto que os maiores demoram entre 30 a 45 min.
26.Jan.11

Tartine Bread - O livro

Há livros e livros. Há livros que estão na prateleira e com quem trocamos alguns olhares tímidos de quando em vez, e há outros que nos obrigam incoscientemente a deixá-los nalgum sítio que nos faça olhar para eles todos os dias e que nos inspiram cada vez que os folheamos. Soube que o Tartine Bread era um desses livros quando vi o vídeo de promoção.

 

 

Não vejo o vídeo como pura promoção. Vejo-o como a história de alguém que encontrou o seu amor, a sua vocação, estudou, aprendeu com os mestres e fez tudo para ser brilhante nessa área. Isso está presente no vídeo quando ele troca olhares intímos e sorrisos com o seu pão. O vídeo é um resumo da história de Chad Robertson que tornou a sua pequena padaria em San Francisco das padarias mais reconhecidas nos EUA. Todos os dias, às 17h00, forma-se uma enorme fila de pessoas à porta da padaria para comprarem o seu famoso "Tartine Bread".

 

O livro em si é uma continuação do pequeno resumo do vídeo, é uma narrativa de como o Chad procurou o que é para si o pão perfeito e a sua viagem até o ter cozido pela primeira vez vinte anos depois de o ter imaginado. O número de receitas de pão contidas no livro conta-se pelos dedos das mãos e não é o livro que recomendaria para alguém que quer experimentar diversas receitas, nem para principantes pois as receitas presentes são complexas. O livro foca-se em fazer estas poucas receitas, mas fazê-las muito bem. Além disso, tudo no seu café/padaria gira em torno do pão e sendo assim, o livro tem uma imensa colecção de outros pratos que se podem fazer com pão: pudim de pão, bruschettas, tostas, saladas, entre outros.

 

O trabalho de fotografia é fenomenal. A narrativa espelha o amor de um artesão pelo seu trabalho. Enfim, um livro para nos inspirar.

23.Jan.11

O meu Pão Alentejano

Falar de Pão Alentejano é falar de algo maior que nós. É falar de um marco da gastronomia portuguesa. É falar da identidade de uma região. É falar de algo que move amores e ódios. É celebrar a cultura portuguesa. Por todos estes motivos e mais alguns, é também um assunto sensível falarmos de uma receita de Pão Alentejano. Não porque esta seja um segredo, mas porque este pão tem uma identidade tão única que torna injusto chamar "Pão Alentejano" a outros pães que nada têm a ver (sim hipermercados, estou a apontar o dedo a vocês). Esta é minha tentativa de recriar esse pão icónico, a minha homenagem e daí chamar-lhe "O meu Pão Alentejano".

pão bread dough massa massa velha

Não sou alentejano e acho que não tenho nenhuma costela vinda da região, portanto não tenho nenhuma receita de família. O que tenho são memórias do travo ácido do pão alentejano, da côdea rija e baça, do miolo compacto e do seu famoso aspecto que também lhe dá o nome de "Pão de Cabeça". Além disso, tenho a internet, a blogoesfera, todos os meus livros de pão e a "sabedoria" que assimilei nestes últimos anos a fazer pão em casa. A ideia foi dissecar as memórias e descobrir como conseguiria atingir esses aspectos usando a literatura e conhecimento acumulado.

 

O travo ácido: O pão alentejano tem um ligeiro travo ácido. Este sabor é impossível de se conseguir sem usar um tipo de pré-fermento/crescente e sem fermentações longas. O pão alentejano usa tipicamente "massa velha" como crescente e é em parte esta massa velha que lhe dá o sabor ácido. Supondo que nenhum de nós tem um bocado de massa velha de pão alentejano algures em casa, o primeiro passo foi criar uma receita para uma"massa velha" que fosse favorável ao desenvolvimento das bactérias "heterofermentativas" que produzem o sabor ácido: um ambiente frio e uma massa com uma hidratação de 60% ou menos.

 

A côdea rija e baça: Algures no início do blogue, falei na importância do vapor para uma crosta brilhante, crocante e para um crescimento acentuado dentro do forno. Pois é, o pão alentejano não usa vapor nenhum durante a cozedura, daí a côdea sem brilho. Como conseguir a crosta grossa e crocante? Uma cozedura longa e a temperaturas mais baixas (para não queimar a côdea. eu deixei queimar um bocado no fim porque aprecio).

bread pão alentejano

O miolo compacto: Numa discussão na parte de comentários do blogue, discuti com o 7partidas como se obtinha um miolo compacto e denso ou como se obtinha um miolo mais leve e cheio de alvéolos. Está tudo relacionado com a quantidade de água na farinha. As leveduras sentem-se mais à vontade num ambiente com bastante água e no forno grande parte de água evapora-se deixando alvéolos enormes e bonitos característicos de um pão como a Ciabatta (80-90% de hidratação). No caso do pão alentejano, queremos um miolo com alveólos pequenos e portanto passa por usar "pouca" água. Na literatura e na blogoesfera, não é incomum vermos 60% de hidratação nas receitas de pão alentejano. Assim foi.

 

O formato: Agora entramos nas particularidades de cada região em Portugal e no próprio Alentejo existem maneiras diferentes de tender o pão alentejano. Há o famoso pão de cabeça, cuja cabeça pode ser feita antes de entrar para o forno (Baixo Alentejo) ou antes da segunda fermentação e até há quem lhe dê um formato oblongo. Sejam criativos, não é importante. Pessoalmente, tentei dar a forma de pão de cabeça e falhei.

 

Com todas estas ideias em mente, cheguei à minha receita que agora partilho com vocês. É uma receita imperfeita, incompleta e com certeza que irá ser melhorada com os vossos comentários e ideias. O resultado é na minha humilde opinião, bastante bom. Na altura de comer, a minha sugestão é celebrar a cultura e gastronomia alentejana ao acompanhar o pão com um copo de um bom vinho tinto alentejano e alguns enchidos e queijos da região. Ou porque não esperar uns dias e fazer uma excelente açorda ou migas? Há pão mais versátil?

O meu Pão Alentejano

Um pão de 1kg ou dois pães de 500g

Massa velha

  • 70g de farinha de trigo
  • 30g de água
  • 50g de isco de trigo
  • 2g de sal
Juntar todos os ingredientes e amassar até formar uma bola. Colocar num recipiente selado e colocar no frigorífico. A massa velha é preparada 48h antes e repousa no frigorífico durante todo esse tempo. Ao fim das 48h a massa terá dobrado de volume e apresentar um cheiro (e sabor) avinagrado.

Massa final

  • 370g farinha de trigo rijo (alternativa, usar farinha normal)
  • 270g farinha de trigo
  • 390g água
  • 13g de sal
  • 150g de massa velha
Misturar as farinhas e a água até terem uma espécie de massa, deixar repousar 20-30min. Adicionar a massa velha e o sal e começar a amassar até ter uma massa lisa e brilhante (à mão 15-20min, com a máquina 5-7min na segunda velocidade).

Colocar num recipiente ligeiramente oleado e deixar fermentar durante quatro horas. Ao fim de duas horas, deve-se esticar e dobrar a massa de modo a expelir algumas das bolhas de ar. A massa não irá crescer muito nesta fase, a ideia é desenvolvermos o sabor ácido. Outra alternativa é fazer a fermentação no frigorífico durante 12 horas (durante a noite por exemplo).

Pré-aquecer o forno a 250ºc. Polvilhar uma superfície com um pouco de farinha, retirar a massa do recipiente e reservar 200g de massa para a próxima vez que cozerem pão. Tender na forma desejada. Podem fazer a "cabeça" do pão esticando o pão de modo a terem uma metade menos larga que a outra e dobrar uma sobre a outra antes de entrar para o forno ou neste preciso momento. Deixar a massa fermentar durante 45min.

A massa velha deve ser guardada no frigorífico máximo três dias ou em alternativa, no congelador onde poderá repousar durante mais tempo.

Cozer o pão a 250ºC nos primeiros 5min e posteriormente baixar a temperatura para 200ºC. Pães de 1kg deverão ser cozidos durante uma hora, pães de 500 gramas durante 30-45min ou até a temperatura interna atingir os 96ºC.
20.Jan.11

Há semanas assim...

Todos nós temos daquelas semanas em que o trabalho fala mais alto, o nervosismo está à flor da pele, o cansaço é evidente nos nossos olhos e o tempo para os nossos hobbies desaparece. Assim tem sido a minha última semana e a panificação tem sido deixada para segundo plano e o blogue, por sua vez, para terceiro plano. Não se fez pão no último domingo e até houve o esquecimento de refrescar o isco, mas nesse capítulo não é preciso entrar numa espiral de pânico. Como dito, aguentou-se uma semana e meia sem comida, limitei-me a fazer dois refrescamentos com um intervalo de 12 horas (há que compensar o coitado com um real manjar, não é?) e revelou-se contente pelo seu renascimento (tal e qual Fénix que renasce das cinzas), i.e. cheio de bolhas de ar.

 

Não devo ser o único que tem tido uma semana cheia de nervosismo e com pouco descanso. Há certos mestres (mestres porque elevam a arte da panificação) que este fim-de-semana vão a Lyon participar na Coupe Louis Lesaffre, a prova de apuramento para o Campeonato Mundial de Panificação a decorrer em 2012 em Paris, França.

bread pão coupe louis lesaffre

Este domingo, 23 de Janeiro, as equipas vão participar na qualificação europeia em três categorias: pão de mesa, pão doce e pão de decoração. O primeiro é o pão que geralmente se come à refeição (penso em baguetes, pain de campagne, etc.) e se fosse eu a escolher a receita seria certamente um pão fermentado com isco e simplesmente de farinha de trigo porque em França é preciso ser-se francês. O segundo será, como o nome implica, algo que roça a barreira entre o panificação e pastelaria. Tanto pode ser um pão como este, ou poderá ser um rolo de canela com passas, enfim um bolo. O terceiro é apenas para decoração e o sabor pouco interessa, é uma escultura feita com massa de pão. A equipa sueca, por exemplo, avança com um barco viking feito com um pão que deve conter 100% de sal pois a massa é totalmente branca. A equipa chinesa (ou será das Ilhas Formosa?) avançou com uma escultura assim em 2006-2007.

pão bread coupe louis lesaffre

As equipas que vão participar na qualificação europeia são: Bélgica, Espanha, Holanda, Reino Unido, Suécia, Croácia, Polónia, Rússia, Eslováquia e Israel. Apenas três delas passarão à final onde irão defrontar Estados Unidos, Perú, França, República da China (Formosa/Taiwan), Itália e um dos seguintes: Argélia, Túrquia, Senegal ou Marrocos.

 

Infelizmente, não há qualquer participação portuguesa. Porquê? Não há fundos? Não há interesse por parte dos nossos mestres em participar nestas coisas? É o pão em Portugal algo vulgar, comum e coisa que não se deve dar tanta atenção?

 

Por um lado, acho que tem a ver o nosso apego à nossa cultura gastronómica e a dificuldade de largar os nosso pães regionais e tentarmos cozer outros. Sendo em França, é esperado das equipas produzirem pães típicos franceses: em especial a baguete.  Os suecos tentaram na edição anterior apresentar pães típicos suecos, escuros e de centeio e os júris limitaram-se a pensar que o pão estava queimado.

 

Ou será porque não existe nenhuma instituição em Portugal que desbloqueie fundos para um evento destes? Ao tanto quanto sei temos competições regionais, porque não usá-las para seleccionar uma equipa para representar Portugal a um nível internacional?

 

Eu digo que é preciso elevar o pão português, ou melhor toda a gastronomia portuguesa, a outro nível. Pela culinária vejo esforços nesse sentido pela parte da nova geração de chefes que está a tomar de assalto o panorama culinário em Portugal: José Avillez, Ljubomir Stanisic, Henrique Sá Pessoa, o sempre presente ícone da gastronomia portuguesa - Maria de Lurdes Modesto, entre tantos outros. Quem anda a fazer o mesmo pelo pão português?

 

Imagens da Couple Louis Lesaffre de 2006-2007, todos os direitos reservados à Couple Louis Lesaffre.

13.Jan.11

Isco de Trigo

Há muitas maneiras de começar um isco de trigo, mas para a mim a mais fácil e mais rápida é a que falei na secção de perguntas & respostas deste post - começar um isco de trigo a partir de um isco de centeio. Não podia ser mais fácil e a probabilidade de sucesso é bastante elevada.

isco trigo sourdough starter wheat

Isco de Trigo

Dia 1 - manhã

  • 5g de isco de de centeio
  • 50g de água tépida
  • 50g de farinha de trigo
Num recipiente misturar a farinha, a água e o isco de centeio. Meter película aderente na boca do frasco e colocar num sítio morno (24-25ºc) como por exemplo o armário por cima do frigorifico.

 

De 12h em 12h, devem abanar ligeiramente o frasco.

Dia 2 - noite

  • 100g de água tépida
  • 100g de farinha de trigo
Adicionar a farinha e a água ao recipiente, que neste momento já deve apresentar algumas bolhas, e misturar tudo.

 

Dia 3 - manhã

  • 100g de água tépida
  • 100g de farinha de trigo
O vosso isco deve estar cheio de bolhas de ar à superfície (como o da fotografia à direita) e está neste momento pronto a entrar no frigorífico e repousar até ser refrescado. Como passo opcional, podem fazer mais um refrescamento para dar-lhe mais força. Para tal, deitam tudo fora excepto 50g do isco e misturem 100g de farinha e 100g de água. Deixar 12h à temperatura ambiente ou num local morno. Após este período, reservar no frigorífico até à próxima vez que fizerem pão ou que necessitem de refrescar o isco.

 

A alimentação ou refrescamento de um isco deve ser feita numa base mais ou menos semanal, caso o mantenham no frígorífico, e passa sempre pelo mesmo processo: a 50g de isco, adicionar 100g de água e 100g de farinha. Se quiserem podem reservar 100g de isco ao invés de 50g, desde que mantenham as proporções 1:2:2 (isco:farinha:água), mas a razão de usar apenas 50g está explicada na secção de Perguntas & Respostas.

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